Para provar pesquisas divulgadas pela ciência, um grupo de pesquisadores amadores usa o próprio corpo para fazer testes e experimentos
Aretha Yarak*
Na ânsia de provar por conta própria o que a ciência não pode - ou não faz - um grupo de quase cobaias humanas coloca o corpo à mercê de experimentos científicos (Reprodução)
Eles levam ao extremo a curiosidade científica. Para provar pesquisas, teorias e crenças, pesquisadores amadores fazem do próprio corpo um laboratório – e, às vezes, sofrem os revezes de um teste mal sucedido. Na maior parte dos casos, essas cobaias humanas tentam verificar resultados já observados em pesquisas científicas (se um estudo diz que comer alimentos crus é saudável, por que não testar?), utilizar recursos tecnológicos para alcançar resultados práticos (é possível emagrecer com auxílio de aplicativos para telefones e videogames?), ou mesmo pular etapas e experimentar em si mesmos substâncias que ainda não passaram pelo crivo da ciência.
Um dos maiores expoentes dessa turma é o escritor americano A. J. Jacobs. Em seu recém-lançado livro Drop Dead Healthy (Caia morto com saúde, Ed. Simon & Schuster, sem edição em português), Jacobs testa dezenas de teorias científicas que dizem garantir uma vida mais saudável. O autor tentou de tudo: juntou-se a um grupo que praticava exercícios como homens da caverna, usou fones de ouvido para abafar ruídos do ambiente (uma forma de evitar os efeitos deletérios da poluição sonora), perambulou usando capacete (para evitar traumas na cabeça), fez dieta à base de alimentos crus e começou a trabalhar em um computador adaptado à uma esteira em movimento para evitar o sedentarismo. “O treino do homem das cavernas não era fácil. Tive de ir ao parque descalço e com o peito nu, atirar pedras e subir em árvores”, disse em entrevista ao site de VEJA.
A imersão nesse palheiro de pesquisas científicas não é novidade para o autor. Para o livro Um Ano Bíblico (Editora Agir, 400 págs., R$ 49,90), best-seller que o alçou à fama, em 2007, Jacobs passou um ano cumprindo nada mais do que todos os mandamentos da Bíblia. A lista de obrigações incluia desde viver de acordo com os Dez Mandamentos até cumprir questões mais complicadas nos dias atuais, como não vestir roupas de fibras mistas e apedrejar adúlteros. Jacobs acabou por apedrejar um senhor de 70 anos que assumiu o adultério, atirou-lhe pedregulhos. O velhinho encarou o gesto com bom humor e ambos saíram ilesos do episódio.
Experimento geek - Jacobs, porém, não está sozinho. Craig Engler, um geek que é executivo do SyFy, canal a cabo americano voltado para séries e filmes de ficção científica, perdeu 30 quilos usando aparatos tecnológicos, como aplicativos, sites e videogames. Todos os detalhes da experiência foram parar no blog Weighthacker.com, que rapidamente transformou-se em um sucesso na internet — em apenas um dia recebeu mais de 40.000 pageviews. O página é uma espécie de diário em que Engler registra todas as descobertas feitas durante o processo de emagrecimento. “Entendi, por exemplo, que quando como ovos no café-da-manhã me sinto satisfeito por muito mais tempo e acabo comendo menos no resto do dia”, contou ao site de VEJA.
Agora, Engler está reunindo suas experiências no livro Weight Hacking: A Guide For Geeks Who Want To Lose Weight And Get Fit (Hackeando o peso: um guia para geeks que desejam perder peso e ficar em forma, em tradução literal), que será financiado pelo modelo crowdfunding e deve ser publicado em setembro deste ano. “Tenho trabalhado junto a diversos profissionais para me assegurar de que tudo o que está no livro esteja correto”, diz.
No mesmo grupo de cobaias está o empresário Tim Ferriss, que testa em seu próprio corpo substâncias ainda em fase inicial de testes clínicos. Como não tem receio dos efeitos, Ferriss às vezes se vê em maus bocados. Em um dos seus experimentos, ele injetou no corpo um coquetel que continha o próprio sangue, um tipo de hormônio ligado ao crescimento e células-tronco. O resultado: uma grave infecção no cotovelo que o obrigou a passar por uma cirurgia de emergência. As experiências de Ferriss lhe renderam dois livros: o best-seller The 4-Hour Workweek e The 4-Hour Body.
Cobais versus academia - Embora suas experiências sejam vistas com desprezo pela academia, Ferriss defende seus métodos. Segundo ele, testes realizados por apenas uma pessoa têm várias vantagens sobre as pesquisas científicas tradicionais, como custo e tempo. "Se eu quiser descobrir como dormir melhor, posso testar em mim mesmo por semanas, e de graça. Experimentos convencionais levam um ano ou mais e custam milhares de dólares", escreveu em seu livro The 4-Hour Body.
Esse raciocínio, na verdade, tem uma falha lógica. Resultados obtidos com um único indivíduo não podem ser nunca universalizados. Só testes realizados com grupos grandes e diversificados garantem, estatisticamente, a eficácia de um novo tratamento. Assim, não é tanto por suas conclusões que um explorador como Ferriss merece atenção, mas pela qualidade que exibe: uma incansável curiosidade intelectual.
As 'cobaias'
Entre Bíblias e pesquisas
Quem é: Arnold Stephen Jacobs Jr, mais conhecido como AJ Jacobs, 44 anos. Escritor americano e editor especial da revista Esquire.
O que fez: Jacobs é autor dos best-sellers Drop Dead Healthy (Caia Morto Saudavelmente, em tradução livre), My life as an Experiment (Minha vida como um experimento, em tradução livre), Um Ano Bíblico e The Know-it-all (O sabe tudo, em tradução livre). Para escrever sua obra mais famosa, Um Ano Bíblico, Jacobs passou um ano vivendo sob os preceitos e mandamentos da Bíblia. Seu objetivo era descobrir o que poderia ser realmente relevante – e bom –, e o que não teria mais utilidade no século XXI. Jacobs passou, então, a seguir uma maratona de regras: era proibido de usar roupas feitas de fibras mistas, de se sentar em lugares onde mulheres menstruadas haviam sentado, de mentir, fazer fofoca ou cobiçar. Ele estava autorizado ainda a apedrejar adúlteros – o que fez apenas uma vez (com pedregulhos, sem ferir o adúltero).
Em Drop Dead Healthy, livro recém-publicado nos Estados Unidos, Jacobs passou dois anos testando as pesquisas que, em teoria, deveriam deixá-lo mais saudável. “Foram mais de 100 estudos testados, talvez até 200”, diz. Na lista estão: andar de capacete para evitar traumatismos causados por tombos rotineiros, usar fone de ouvido para abafar o barulho externo e evitar os danos que o barulho causa à saúde e uma rotina de exercícios físicos na academia. Entre as dietas testadas estão a dos sucos e a dos alimentos crus.
Resultados: Após o fim do projeto Drop Dead Healthy, Jacobs chegou à conclusão de que seguir ao pé da letra toda pesquisa científica pode fazer mal à saúde. "Existe muito estudo ridículo, muita ciência ruim. Você pode, por exemplo, encontrar pesquisas que dizem que o bacon é saudável. Bem que eu gostaria...". Além do problema na seleção do estudo a ser seguido, Jacobs afirma que há outro problema. "É impossível seguir absolutamente tudo, isso seria esmagador e estressante, tudo menos saudável. O que eu descobri é que você pode se tornar doentiamente obcecado por saúde."
Regime nerd
Quem é: Craig Engler, 45 anos. Executivo sênior da TV Digital Syfy, canal a cabo americano voltado para séries e filmes de ficção científica, criador do primeiro site profissional sobre ficção científica, o Science Fiction Weekly, e jogador profissional da Nintendo. Escreve esporadicamente sobre tecnologia e ficção científica para BoingBoing, Mashable e Wired.
O que ele fez: Depois de perder um amigo vítima de ataque cardíaco, Engler fez um check up e acabou descobrindo que sua saúde ia de mal a pior. Abalado, começou a testar algumas pesquisas que poderiam ser adequadas ao estilo de vida de um nerd - 'sempre na frente do computador ou do videogame'. "A melhor coisa que fiz foi adaptar o computador a uma esteira'’, disse. Foi a forma que ele encontrou para continuar na internet e caminhar ao mesmo tempo.
Outra dica testada por Engler é a de delimitar a quantidade de alimento levada para frente do computador. "Ninguém presta atenção no que está comendo quando está na internet, e sempre come mais." Assim, a sugestão é servir-se de parcelas fixas. Em vez de levar o pacote de salgadinhos para a mesa, leve apenas uma pequena porção. "E beba muita água. Além de diminuir a quantidade de açúcar ingerida, você ainda vai ser obrigado a se levantar mais vezes para ir ao banheiro."
Resultado: Engler, que chegou a pesar 102 quilos, conseguiu emagrecer 30 quilos. Hoje, a balança do executivo marca 72 quilos. O conteúdo do blog Weighthacker.com, onde ensina geeks a emagrecer, será transformado no livro Weight Hacking: A Guide For Geeks Who Want To Lose Weight And Get Fit (Hackeando o peso: um guia para geeks que desejam perder peso e ficar em forma, em tradução literal). A publicação será financiada pelo modelo crowdfunding e deve ser lançada em setembro deste ano.
Guru da boa forma
Quem é: Timothy Ferriss, 34 anos. Escritor americano, palestrante e empresário.
Feito: Tim Ferriss se submete há 16 anos a uma série de experiências para aprimorar seu corpo. Ele já chegou a implantar um chip com sensor no tórax, para checar em tempo real o nível de glicose no sangue. Seus principais experimentos envolvem a ingestão de substâncias em doses diferentes das prescritas e de alimentos em grandes quantidades. Em um deles, passou três semanas comendo apenas nozes, castanhas e carne. Diz ter derrubado seu colesterol e triplicado a testosterona.
Resultado: As investidas de Ferriss resultaram em dois best-sellers, The 4-Hour Workweek e The 4-Hour Body. Com um de seus experimentos, ganhou, em 28 dias, impressionantes 15 quilos de músculos e perdeu 1,3 quilo de gordura — um resultado quase impossível sem o uso de esteroides. Outro experimento, com o objetivo de "restaurar seu corpo ao que era aos 20 anos", o levou a injetar seu próprio sangue depois de 'refinado', células-tronco e hormônio. Ferris precisou de uma cirurgia por causa de uma infecção causada pelo teste, mas afirmou que, após seis meses, seu corpo obteve os resultados esperados.
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